domingo, 27 de dezembro de 2009

Amantes sentidos

Deixo os desejos calados
na madrugada que afaga
as minhas risadas noutra boca
onde o amor fluía aprendiz.
Na paz do silêncio neva
entre as vísceras tragando
o silêncio e o desasossego.
... lavado nas emoções do sereno,
noutras ausências morrem ventos
colhidos ao coração que pula
seus ritmos diferentes,
de tudo quanto se sente
no aprender da semente
que a prumo se adulta,
na teima de ser gente!

Amo-a

Amo-a, e por amá-la me sufoco
dia após dia sem hora marcada.
Por ela salto da lua para o chão
as vezes que bastem para a ter amante.

Amo-a. Ela sabe-o e disfarça
com sorrisos de ramos em flor.
Sigo-a sem pensar, pelos passos pequenos
que dá pelos fins de dia.
À noite sonho-a, amo-a e enlouqueço
num padecer sem demência
até que o dia seguinte nasça
na neura dos sentidos.

Amo-a e por tanto a amar
sofro o desconsolo dos olhos
num ardor de memórias
e entranhas que acabam sempre
num retrato dela,
... choro à ganância
e na plena fraqueza
brado o seu nome
e vou mirrando!?...

domingo, 20 de dezembro de 2009

A lágrima morreu

Num caixão sem soalho,
a lágrima ia nua e singela
ia só nos despojos da vida,
ia sem voz nem beleza,
talvez morta pela míngua
talvez farta pela destreza,
mas no fim, a lágrima morreu…
foi uma septicemia fatal
uma dor ansiando ser tristeza,
ou uma tristeza ansiando esquecer,
mas a lágrima morreu,
morreu boçal e livre
num incesto de emoções,
morreu breve e solteira
como deve uma boa lágrima,
morreu apenas
sem sequelas para o coração,
morreu só, morreu chorando
a vida recauchutada
que lhe deu uma peritonite amiga!
A lágrima morreu,
Ficou o sal…

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Solidões mouras

Na ocidental lua nova
ganem saudades e enfins
em quotidianos de alma ardida
e ventos antagónicos
... com a prosa de um poeta
nas escamas do sangue verve
onde os sonos nascem dias
enquanto os anos dançam utopias
nos beiços da vida só!

Com os olhares gratinados
e a língua à míngua da voz
entre fumos e vazios, cinzas
apenas preso às evidências
por um rasgo de luz rosada...
Suados, o ventos trazem avisos
memórias de outras quimeras
que um gesto vulgar desperta e brilha
na essência do pensador.

Ora mansos, ora frios
os desafios salpicam a fé
num fervor mouro à carga
pelo corpo até à alma crua e nua
donde nascem o dia e a lua
apaixonadamente vivos.
- Na orla do espírito
a realidade planta dor e riso
no capim dos acasos virtuais
que vestem os momentos
e trilham o fim dos sentidos...

No calor do silêncio
os olhos lembram amigos idos
e amores vendidos
ao desejo do ser!

Por já não me amares

Por não estar perto de ti
ou por sentir-te longe demais
suei angústias e medos
com os olhos debaixo das mãos
e as mãos dedilhadas
sobre os desejos do peito
... dedos sobre o esmorecer da força
trémulos de inquietações
que ao ver-te fardada de seduções
e no inútil das vezes que tento
amar a espera que desespera
por já de véspera saber
que não virás,
- mas não quero o teu amor
devolvido por pedaços
de esmolas,
saturado de esperanças erradas.

Quero ir para longe de ti
sem que ninguém me veja partir
e já longe, amargurado
sei que vou sentir
a vontade infernosa
de querer estar perto de ti!

Espero-te

Vem! Eu sou a ramagem
e tu és o sol que nele se dorme,
a mansidão do tempo,
correndo pelos beijos e abraços
de um momento singelo, iluminado

Vem, vem solta para mim
tráz de novo o sonho lindo
onde eu sou o teu herói
e tenho os olhos redondos de amor
por ti ardentes e paixão!

Vem! Eu sou o crepúsculo
que sempre te espera aqui
com essa saudade híbrida
que deixa o vazio
da tua ausência.

domingo, 29 de novembro de 2009

Para vós, mulheres

Nasceram tímidas
em sulcos inconfessos do viver,
escravas dos dias possantes,
calvas de terror místico
ou húmidas de submissas,
carne que o macho fecunda
por capricho de a querer cativa.

Foram inatas germinadoras
de reprodutores carnais,
tão longínquas
que nem sentiam o júbilo prazer
subir nos ossos dos seus entalhes,
apontados sem remorsos
na obrigação de criar os seus.

Anos passaram.
Séculos de desejo oprimido,
cultos de mãe
em templos de razão.
Fêmea de um só mercador
que a embriaguez sovava e vendia,
ao preço de uma discussão
sem diálogo,
por um pouco de pão e dor.

Cresceram revoltas,
motins de vergonha, pesadelos
conquistaram um vazio
que sempre foi seu,
mas que a voz máscula
confinou ao fracasso.
Tornaram-se ousadas
como os homens ousados foram,
disseram ao mundo
o sentido condigno do querer
tão visível
que os carrascos lhes foram
comer à mão.

Quiseram ser grandes
e foram enormes.
Tiveram medos
mas foram audazes,
lutaram amarguras,
decidiram momentos de decisão,
e amaram os homens
com gemidos de intimidade
que eles jamais haviam amado.

Criaram seus filhos
com o mesmo ensinamento
de suas mães,
gritaram trabalho
e num rasgo de independência
quiseram ser livres
e foram a liberdade,
a boca reivindicando igualdade.
Foram a evidência
das suas vontades,
nos lábios dos severos justos.

… Numa admiração às suas vitórias
tão duramente esboçadas
quão difíceis de encetar gloriosas,
a vingança tardia,
de quantas inúmeras mulheres,
por elas foram lápides
antes da morte!
Fossem os homens justos
e nenhuma mulher
seria a ausência…

… como foi possível
tantos anos, tanto egoísmo
se homem e mulher
são diagonais da mesma ossada,
que se interceptam
em qualquer ponto
de uma recta algures,
onde a vida
completa a vida!

Meretrizes

Andam pálidas pelas ruas
as almas das meretrizes,
vão nuas, as vergonhas suas
apedrejadas pelas vielas
sofrem no tecto do mundo
e à noite choram às luas
saudades varinas e horas lindas.

Sobre os brados da memória
correm sonhos em clave de sóis sós
sustidos com a força de dó...
andam sombras perdidas dos passos
são mulheres, outras meninas,
e todas são ninguém...
... um ninguém que magoa
ao sentir-se assim, entre silêncios
e esquecimentos,
como andarilhos velhacos
de todo o pensamento.

Bêbados sentidos

Eu bebi à farta
num dia apenas banal
que o diabo atiçou à loucura
e num pestanejar
anoiteceu a fúria e a raiva
até aos estilhaços do sangue
que o silêncio da voz guarda
em lençóis de angústia.

Amanheci sem alarido
havia um sol meigo em céu aberto.
Nada de novo na monotonia
uma líquida desconsolação
fustigava a memória
que não sentia.

Bebi de novo sem tréguas
o vinho das bruxarias
e transloucado adormeci
à sombra de um silêncio frio
como quem pariu um naufrágio
onde não havia mar!...

Choro

Queria chorar
o corpo pulsava, ardia
no olhar a dor gemia
e eu só queria chorar
uma malga de tristezas
e não tinha lágrimas para brotar
nem sal para as salgar
ou voz que as soubesse colorir
sem sentir o rosto húmido
com saudades do vazio que fica
depois do querer acabar.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O mel do sonho

Cinco dias vivi luas
no rosto de uma mulher,
morena e doce silvestre
como o entardecer ao fim do sol
da sua companhia.
Cinco dias e mais cinco
foram dias sem parar
no entrudo do meu amor cadente
como a brisa dos beijos traquinas
que soprava dos limites do ar
- lá, onde o tempo se demora
perdido dos homens e do chão,
num namoro de horas imortais
que ninguém mais conhece senão eu,
alucinantes eram os voos a pique
sobre o carinho dos seus contornos,
e afundar os sentidos seduzidos
na plena garra dos ardores,
espalhar-me o corpo sobre a vida dela
e vivê-la tudo no mais fundo sentimento...
no mel do sonho!

Apaixonados

Venerados, os apaixonados
gracejam pequenos quartos-minguantes
num céu de amores imenso e fundo
quase ravina, quase escarpa, quase nada
porém, um quase tudo a cada momento.

Contentes com o dia novo
os olhos brincam carinhos tontos
com a ponta da língua e a voz,
ausentes num apelo dos corpos
que em desejo desabrocham os sonhos
que a noite alberga pelos mais belos silêncios
que a vida pariu com mimos de mãe
e risos ao futuro,
para lá do horizonte...

Eras amor

O meu amor é louco
tem nervos de mulher
tem tudo e tão pouco
do que na vida se quer.

O meu amor é guerreiro
vestido com carinhos em seara
que duram o tempo inteiro
e da alma nada os separa.

O meu amor mora com a idade
num baile de idiomas gentios
com requintes de luminosidade
são sentimentos de todos os estios.

Ó meu coração, tu flamegas o olhar
inundas as ermas circunstâncias
quando aos pulos sinto-me amar
nos píncaros de todas as distâncias.

Grão de amor

Matreiro, um grãozinho de mulher
enganou-me o corpo,
com carícias no coração,
e sonhos no rosto,
urdiu o amor que era meu amigo
e cachopos fugiram de mim
para onde não sei.

Maroto... o grãozinho!
Ainda o lembro bem, o safado.

Búzio confidente

Seguro nas axilas
um búzio já velho,
amargurado,
numa maré pouco feliz.
Junto ao seu aconchego
outro búzio mais,
e num lamento
segredo-lhes murmúrios
coisas de nada.

Pouso-os no bordo do colo
absurda voz
e sonho.
Falamos de tudo,
de mim e de ti
... até de nós!

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Viagem que sou

Sou a viagem que sou
sei-o!
Mergulho as mãos
no absurdo.
…Rumo ao irreal,
Como barcos sem leme
Sulcando os mares de azul.

Sei que sou a viagem…
Degrau a degrau
subo as muralhas débeis
da palavra,
e do cume voarei
de braços abertos sobre
as praias de um lençol,
surdamente inspirado
em vezes de estranheza
e tímidos medos…

Sou uma viagem
sem retorno…
-regressos não há.
O fim não sei,
Mas o amor é o meu tempo!

Amante do sonho

Lanço-me num esvoaçar
com o lume nos olhos triviais
e o peso dos dias assim.
Deslizo seguro ao vento
como ave pelo ar livre
e sinto aquela emoção doce
que tem o sabor da paz
dentro de nós,
no meio do mundo
e sono amante do sonho
onde todos os pássaros pousam
para aprender a voar
o destino que lhes coube em sorte!

Calor ósseo

Anda amigo, corre as sombras
e vem plantar comigo
as memorias da utopia.
Anda…
soltaremos os filhos dos olhos
nos cumes dos ventos,
sonharemos o sentimento
e seremos os donos do espaço vazio
onde as almas albergam o sol!
Sorriremos, enfim!
…E o tempo sempre a crescer
na ausência do momento banal
em que não sabemos se somos gente
ou apenas uma forma de medo quente
-calor ósseo, pensamento…

Quero-te

Ainda que ausente
e sem regresso de mim,
quero-te muito
porque o coração vislumbra por ti
um amor que não se desencanta
só porque o tempo aborta
e a vida se farta da paixão…

…e no que fica de nós, amantes
quero que sejas desmedidamente feliz
algures onde te desejes
adivinhar a vida.
embora aquém desse lugar
eu terei sempre distinta a lembrança
com saudade de amor,
(hoje, ardente e vivo
amanhã mais amigo)

Ao olhar no céu o brilho do sol
- é que também tu,
foste um sol da minha quimera
e se o adeus que nos hidrolisa
os sentimentos,
alveja-me de sofrimento,
também o sorrio
por tolerante me teres ensinado a amar.

Ainda que nada se apague
de forma alguma,
é na lealdade para comigo
dizer-te o muito que te devo,
quero-te a de todas, a mais feliz!
Amo-te muito!

Proscrito

O mar entra-me pelos olhos
como verdades calcetadas de sal
dúvidas e magoas.
Um grande vazio engole o corpo
por inteiro, a praia e os peixes
e às vezes , nas estrelinhas do momento
quase me sinto feliz…
Como oásis no desejo
a ilusão demora um gesto,
o riso que o coração grita
é somente o silêncio velhaco da tristeza.

Medonho, o espaço mingua alucinações
nas vértebras do pensamento vazado
pelas mãos do mar e da sombra
com vontades marujas de partir
em busca do horizonte…
-por pirraça os barcos passam na foz
dos olhos húmidos de inquietação,
passam longe demais para o agarrar,
nem o mar, nem os barcos
nem os sonhos que deixam esculpidos
nas águas da minha solidão!...

Matemática de emoções

Subtrai-me
que eu adiciono-te
com beijos fecundos
e alma boa,
com gesto meigo
de quem não te esquece.

Divide-me
que eu transbordo-te
entre carinhos ternos afagos,
devoro-te nua e singela
e no desarvorar da manhã
dou-te um beijo
e digo-te
“até logo querida”.

Eleva-me ao expoente
e eu valho por dois
valho por mim e por ti,
e por nós os dois teremos a matemática
no âmago dos sentidos
…saberás que eu e tu
não somos dois
mas um único olhar futuro!

Equações do tempo

Somo ao hoje
o ontem da memória
somo cada ontem ido
a cada anteontem
faço-o todos os dias
para que os olhos tenham
o prazer de se verem vivos!...

E a soma dos dias
faz envelhecer,
amadurecer a fruta do pensador
adoece as almas
que apodrecem na inquietação
dos anos atempados
das grandes dúvidas
fora do claustro do sangue
gritantes corpos na soma
da vida somada em álgebras do coração
emocionado sentimento…

Sonhos

O sonho ilumina
é brincadeira dócil do tempo
é o tempo inteiro de uma vida
uma ventania que alivia
outra mágoa que se sente
no revés do dia
pleno e ausente, quente
o ópio do pensamento
que a noite aclama
e o sol acalenta, nu
com o sonho na voz
e os olhos no poente do momento!

Sonhos são lufadas de força
que dão garra à vida
e se lançam à dor, lutam ousados
no calor do silêncio,
em forma de desejos vazios
entre sonos e fantasias
com o coração bêbado de cores,
numa memória que clama voraz
o que sente
nem nunca esquece
por mais que queira e tente!...

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Desertificação

Não há homens nos campos
e os desertos ardem
na própria secura dos ossos.
As terras estão lavradas a sangue
por sulcos movediços
em que os animais se perdem
do tempo.
A paisagem é o verde sofrimento
da carne,
a mágoa confunde-se
na medula do horizonte
e as flores latem seus despojos
entre as cartilagens
de um ângulo
roubado num único lamento.

Não há pastores nos montes
e os anjos já não cantam
o lume dos olhos.
E quando o outono finda
os homens hibernam com as aves,
em bandos de poetas clandestinos.
A primavera trá-los-á de novo,
nos primeiros abraços de luz,
e o amanhã é um motim
na fé dos mais pobres.
... Longe da voz,
a ângustia curva de um vento
que chora de mão em mão,
de silêncio em silêncio.

Eras amor

Eras uma borboleta e eu perseguia-te
nas traseiras do teu tempo
ateado de distâncias e crespúsculo.
Eras um bicho perdido, indefeso
e eu era um caminho de dias vendidos
por um punhado de sentidos enganados.
Eras uma vírgula pequenina
que eu punha à frente das
minhas palavras, emoções!
Eras um sonho em violento
com quem dormia a transparência do olhar.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Sarcasmo

Sem esboço nem palavras
a humilhação olhou fria e funda
o riso do sarcasmo vaidoso e pobre
como se num lapso do instante feroz
o pensamento fosse castigo e dó,
clemência e ódio,
num grito baixinho
que a ninguém perturba
senão ao pensador ferido
que sem querer,
perdoa mas não esquece.

Carta a um irmão distante

Irmão

... a mãe morreu
no bolor do silêncio
que trazia nos olhos.
Arrancada à vida
devolvi-a à terra
com lágrimas por dentro.
Nas traseiras do quintal
calcetei-lhe o sono
com flores de luz que duram muito
e sabem poemas de cor...
Rezei o terço à minha maneira
com palavras inventadas do luto
que me mordiscava a voz.

Fiquei ao lado dela
até a sentir aninhar-se
nas formas do chão.
Falei-lhe de ti, desse tempo
inconstante
- o pior da morte é a morte não ter voz
e teimar em ficar calada por muito tempo!

A mãe morreu natural.
Já nada me prende aqui.
A herança é pobre demais,
fica com ela que eu parto agora
à procura de melhor sorte.

Ventanias

As brisas dão no meu moinho
ora mansas, ora raivas
ou se se dão com mais vileza
não são brisas no meu moinho,
são ventanias de pai bêbado
sovando as razões do desgosto
que embebem as horas esquecidas...
as brisas giram no pano das pás
depois das revelias... na roda da mó
a fraqueza dos gritos amanhece
branca como a farinha
que um moleiro ventoso o é,
e todos os dias no fim do sono da noite
o sol bate na cal do meu moinho
aguarela vermelha na brisa das pás do vento
enquanto espero as ventanias.

sábado, 31 de outubro de 2009

Como escrever-te

Como escrever o teu nome
na água dos meus poemas
sem levar à boca
algum ramo do teu sabor.
Como escrever de ti
no pó dos corações
se pelos teus olhos
andam os meus enamorados.

A noite,
ainda menina no meu colo
é um fio de versos
que as horas levam e trazem
sem que o breu me detenha,
nem o silêncio incomode
os momentos sós em que te penso
sentado num chão de muitas emoções.
Não há rio que quebre o mar
nem ondas que neguem às praias
as suas marés de pedra e ecos.

E na poeira dos dias que me sobram
tenho pressa em viver os mimos teus
e sentir sobre o corpo deitado
a mulher que em ti pesa,
como um vendaval de amores
que se soltam dóceis
num sangue a nós doado manso
e vontades de não mais acordar.

Nas tuas pernas

Nas tuas pernas
as minhas culpas morrem
nas tuas pernas minhas nunca.

Na tua boca o meu sonho
no meu sonho as tuas pernas,
nas tuas pernas o meu fôlego
e a noite passa num rasgo teu
em mim, desejo vivaz e traquino
nas tuas pernas,
a minha doidice!...

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Confissão

Os meus olhos
confessam nos teus
o atiçado lume dos seus erros
num tempo gordo de desenganos
e tramas de agoiro
que enchem de dramas
as distâncias da vida.

Ao voltarem ao teu corpo,
os meus olhos quase coram desilusão
na vergonha que sentem apunhalá-los
por não saberem fazer os teus felizes...

... a língua empurra-os na voz
que ninguém mais ouve
e vontades de nunca deixar partir os teus
nessas teias de encruzilhadas longas
em que os meus olhos mirram
o medo de muito amar os teus.

Partida

E foi então que os meus olhos viram
partir os pássaros em manada
céu inteiro, searas de amor
- a terra a prumo
nos lábios possuídos de fogo,
um mar arrojado, alucinante
como rumores a morder a memória
onde os teus olhos cochilam
as fragas da noite.

Não tens saudades roxas
dos pássaros apaixonados
no Outono das formas
- moribundas solidões
na apoteose dos dias,
dos gritos
ao encontro do luar?

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Sempre teu

Eu hei-de ser sempre teu
tu hás-de ser sempre minha
mesmo que não mais me queiras amar
mesmo que me queiras esquecer
- é que a flor pertence à terra
mesmo depois de morrer
e eu sei que jardim sou em ti
mesmo que não queiras saber!

Mil coisas

Em mil tardes
mil noites sem pagem
mil auroras de balidos,
mil pastores em mil montes
uivam com os rebanhos
as mil luas de lobos sem fome
que o capim mastiga
no alarme das mil dores do tempo.

Mil esfomeados chacais
em mil ramos pousados
esfrangalham os mil cães da vida
no milhar das encostas
fixas ao tacto do medo
... nas estepes andam mil mortes
no endereço de mil nomes.

E em mil planícies
mil luas cobiçadas
por mil olhares do sangue,
sob mil pragas do gesto
e bocas sem confissão
de mil gente sem sorte,
por entre mil rios quebradiços,
mil solidões voando em tapetes de sono
e mil sonhos por socorrer
ou milhões de mil coisas...

Pescador

A oeste da vida fácil
um pescador de inquietudes
deita as redes ao luar
com os olhos cantarolando destinos
e o pensamento cansado nos braços.
Só e alvoraçado pela calmaria
vai assobiando as velhas poesias
que o medo lhe ensinou desde menino
enquanto nas águas o tempo voa
como marés aladas na sua voz,
acometidas de ânsias que desconsolam
as horas mais coloridas do coração,
desnudam os sentimentos mais vivos
e todos os momentos lindos do sonhador.

A léguas, aquém de todos os outros
um pescador de solidões cruas
recolhe as redes do dia na noite
com as forças que à alma restam
pelo epílogo do silêncio sem coito
onde os desejo jazem sovados pelo acaso
e os homens vagabundam as sombras
já bêbadas de rum e memórias em fogo
latejados de tristeza amarga!

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Espera em vão

De joelhos em frente ao oceano
um jovem lança fermento às águas
para que o seu sonho cresça
antes do tempo,
num movimento desconfiado.

Com as mãos sujas de medo
cava um lugar para esperar,
com o coração derramado
naquele mar à sua frente,
e o jovem fez-se velho, serenamente
sem ver a maré parir
o fermento da sua esperança.
Embrulhado na morte,
as águas levam-no vida fora.

Já notaste

Não sei se já notaste
no alvoroço do meu olhar
quando passas e em mim roças
o corpo e o destino,
e eu fico perdido a cismar
sempre que passas
à minha beira, juntinho.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Cio do acasalamento

Andam ventos à procura
de ventanias,
andam doidos, pulam e furam
em formas sombrias
- praguejam eriçados
na altivez das horas fúteis,
uns pouco amados,
outros sopros inúteis...

Andam luas atrofiadas
pelo cheiro fêmeo do vazio,
e de uma mera noite
pairam noitadas
para a ganância do cio
... lavram os chãos
com as águas dos poetas
levam rios nas mãos
rios que só o mar veste.

Andam bocejos ao deus-dará
em busca de uma rima acertada,
uma rima que só o tempo fará
cada vez mais amada!

domingo, 4 de outubro de 2009

Desejo em clave de sol

Vem! Multicolor
toca-me nua, fêmea
rasga-me a vulgaridade
com tridentes de sedução, marinhos
e entre nesgas de indecência
abraça-me o corpo de auroras híbridas
com os ventos da paixão desvairada
que o meu coração namora em surdina
o outro lado do momento que tudo chora,
lavado pelo amanhecer da vida
que mimo e quero
e não me pertence.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Jardim de aromas

Os jasmins juntam-se pela manhã
os lírios amuam o sangue
as dálias mais as rosas
troteiam maldizeres vizinhos
à porta dos verves cravos curiosos...
os malmequeres, levianos, fazem troça
enquanto fingem olhar a beleza dos muros.
Rasteiras, as ervas arejam o corpo
nos véus das flores viúvas.

Coberto de céu,
é uma manhã tardia
de um jardim zangado com o dia.

sábado, 26 de setembro de 2009

Se não te pretenço

Se já não sou teu pagem
amante e saltibanco das tuas noites
tão ávidas de mimo,
se nem tão pouco me pertences
em qualquer lugar da vida
e nada somos em sentimento nenhum,
então porque não me dás alforria?

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Em busca de mim

Procurei a vida
nas vielas de um tempo manso
e sem sucesso urdi os dias
até ver o céu cair-me aos pés,
nas matizes viúvas da alma
entre vendavais da carne óssea,
no peito do chão.
Fatigado do marasmo
sentei os olhos à soalheira
e resgatei o sonho mais doce
que a lembrança volvia
enquanto o coração ardia gemidos
em romarias de dor oculta
que só gente assim sofre!

sábado, 19 de setembro de 2009

Junto ao mar

Se me vires junto ao mar
sentado num olhar que se adensa e foge
não temas a queda, tragédia
apenas espero aquela alma maruja
que no mar deixei ficar à deriva.
Se me vires chorar no seu fragor
não fervilhes medos, receios
que o mar ouve as dores, lamentos
entende as vidas que sussurram,
miragens e falácias, frios
tempestades ou calmarias…
Se vires o mar estatelar-se no rosto
com silêncios e desejos pilhados no tempo
não estranhes teu semblante
porque o mar é um velho amigo
nas hordas da minha paixão.
Mas se um dia o mar me trair
pelo perpetuar da memória,
vem à praia molhar os lábios
sentirás os meus beijos de sal
no marulhar das ondas aos risos,
e saberás o que o mar à muito sabe
… que te amo muito

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Fuga à morte

Sem disfarçar as escuridões
aos passos,
a morte entrou sem bater
em casa do vizinho.
Fingiu que não me via
espiá-la no rebordo da vidraça,
e sorria...
e os sorrisos eram como promessas
de presságios sem bênção.

Sem esperar o epílogo ao romance
fiz as malas e fugi pelas léguas
de qualquer rumo.
... Pelo caminho esqueci o nome.

domingo, 13 de setembro de 2009

Matizes de um momento escuro

Não me contenho e sofro
diariamente,
um mundo diferente, doente
onde a dor também é gente
e o tempo uma navalha
um medo, torpor
o evidente era dilema
e o sonho uma soberba poesia,
num mar de desalentos
e eu só me lamento
ou choro as horas, utopias
como quem enviuva de paixão.
Deboto, perco a graça
e morro por dentro
no mais louco silêncio
uma fúria sem fim
em forma de veneno, ardil
um buraco no ar, alucinante
gritando por mim, assim mesmo
tal qual vos conto e digo
... pensamentos são amantes
formas cegas de padecer permente,
que no auge da voz se atiça ao ausente
e mente o olhar perdido de tormentos
com uma mão afogando o vento
e a outra singrando no covil do alvorecer.
Ressonam os instintos dentro dos ossos
algures nas vidas manhosas,
e os carinhos, ternuras tontas
de beijos e volúpias, feitiçarias
deixam saudades dos bosques de amor
para sempre à soleira dos meus olhos pretos
como a escuridão do destino
a brincar perto de mim, quase tocando.
... por um triz ser a morte.

Palavras perdidas

Perderam-se as palavras
no leito das origens
que o mar traz seguro,
e perdi-me com elas
no vasto espaço
das minhas ideias.

... perderam-se!
Esquecidas na melopeia
das frases pobres,
incabadas,
subindo em mim
plenas de confusas.

Coitadas.
Deliram na voz,
na exactidão do silêncio
de meus íntimos vícios,
ímpares...
Cépticas palavras
que atropelam sem rumo
a acidez da minha harmonia.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Tudo à pressa

Cheguei à pressa
com a pressa de chegar
e partir, veloz
porém antes escrever
um poema para ti...
e escrevi,
depois parti
à pressa,
como vim...

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Hoje

Hoje queria ver-te
falar contigo, de ti
marulhar nas emoções
e tocar as têmporas do desejo,
com parelhas de mimos
alados a noite inteira.

Queria prender-te aos olhos,
fundir o carinho dos silêncios
com a paixão da alma
esfaimados pelo amor imerso,
com o brilho da vida
a sibilar no abraço da voz.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Não me ergo, levanto-me

Eu não me ergo, levanto-me
quem se ergue sempre caiu
e eu puxo por mim,
agarrado ao desejo férreo
de me ver elevado
por cima das vicissitudes
e à margem da agonia,
caçando alívios e suspiros
de uma estirpe sem raça.

Eu não me ergo, renasço
resgatado de um passado verve
não me estranho, nem entranho
bebo a sede de viver, indígena
não quero desperdiço nem fúteis cores,
amorfas audácias, mordaças
quando me despertar para o amanhã
que me adorna o olhar…
… no capim do dia seguinte.

Eu não me ergo, levanto-me
quem se ergue não caiu, ruiu
e eu levanto-me, persigo-me e expio-me
até encontrar o sossego que me adensa e foge…

domingo, 9 de agosto de 2009

Guardião

Repousa o teu corpo
no vício dos passos,
sossega o sangue nervoso
dessa existência fértil de medos, breus
e acalenta na ideia voraz do rosto
a fugaz primavera de um sonho lindo
que vento algum desalinha
venha a tormenta que venha
dos quatro céus endiabrados...
Dorme.
Penteia o sono com os dedos
ainda húmidos de amores degolados,
livres de enganos e enganados,
num atlântico de esguios beijos suados.
Dorme! Sem alvoroço,
no topo do burgo...
Lá fora o mundo regateia sombras distantes
num desacato de dores lúbricas, anónimas
enquanto no tecto da vida
as verdades são sombras sumptuosas,
nubladas de inquietações,
sinistras nocturnas,
no zelo das ocasiões... tropelias.
Dorme. Nada temas do doravante,
pousa o pensamento exausto de fugir,
não sabe de quê, despojado...
não sabe para onde, sonâmbulo...
como tudo na vida.
Dorme.
Hoje eu sou pastor e cão de caça
pelas eiras muradas da intranquilidade
onde só os lobos dormem
seja qual for a hora e o desejo!

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Búzio confidente

Seguro nas axilas
um búzio já velho,
amargurado,
numa maré pouco feliz.
Junto ao seu aconchego
outro búzio mais,
e num lamento
segredo-lhes murmúrios
coisas de nada.

Pouso-os no bordo do colo
absurda voz
e sonho.
Falamos de tudo,
de mim e de ti
... até de nós!

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Destino

Em menino fiz meninices,
Diabruras
E a navegar marés-cheias
Fui escutando o desalinho da dor
- calado e quedo
no postigo da idade,
até ao dia em que parti
com o meu tempo selvagem
e as fantasias por domar.
… partir à procura de alguma coisa
que aqui não sei encontrar.

Por quem me tomas
Ó destino, cruel sátira
Se o teu destino, destino
Tenho-o eu na minha mão
Pátria!

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Não te esqueço

Eu não sei porque não te esqueço
mais do que algumas horas do dia,
um meio-dia apenas no ciciar da distância
que seca o desejo enamorado na boca
e com o tempo cura a saudade
como quem lava das mãos um vício doce
com os odores carinhosos de um perfume
alegre e irrequieto, reactivo
que faz baba nos olhos loucos por ti.

De mãos estendidas
não sei se te mendigo ou regateio
nem se te enrolo nua no meu refúgio
e unidos por penachos de amor,
dar aos destinos a verdade, insubmissa
na firme certeza de acordarmos ilesos
pejados de beijos e dias velozes.

Eu não sei porque não te tiro do sono
quando me esqueço e durmo
de sobrolho na vigília das cores,
mas sei que as plantas e as aves na rua
farfalham entre si as tropelias do desejo
com o olhar ornado de vida.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Sentem-se loucas

Sentem-se loucas, as horas
doidamente perdidas
no prefácio da vida,
aos tombos e soluços
no convés da angústia.
Sentem-se sós, os olhares
trocados em pecado,
penitentes
nos sargaços do sentimento,
esventrado por dentro e fora
ao mais fundo do ser só.
Sentem-se carentes, as almas
dos beijos dos amantes,
do riso da paixão bravia
num mero gesto amigo
que o amor encerra
no lume dos dias.
Sentem-se loucas, as vidas
brejeiras de vaidades tolas
e raivas a rodos, sufocadas
trespassadas de morte
por um punhado de coisa nenhuma.
Sentem que sentem, surdamente
lançam-se ao ar num sopro
e navegam sem norte
pelos outonos dos sonhadores,
onde o tempo se entrega
à loucura em que se sentem
o que sentem reais..

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Jardim de aromas

Os jasmins jantam-se pela manhã
os lírios amuam o sangue
as dálias mais as rosas
troteiam maldizeres vizinhos
à porta dos verves cravos curiosos...
os malmequeres, levianos, fazem troça
enquanto fingem olhar a beleza dos muros.
Rasteiras, as ervas arejam o corpo
nos véus das flores viúvas.

Coberto de céu,
é uma manhã tardia
de um jardim zangado com o dia.

Carta a um irmão distante

Irmão

... a mãe morreu
no bolor do silêncio
que trazia nos olhos.
Arrancada à vida
devolvi-a à terra
com lágrimas por dentro.
Nas traseiras do quintal
calcetei-lhe o sono
com flores de luz que duram muito
e sabem poemas de cor...
Rezei o terço à minha maneira
com palavras inventadas do luto
que me mordiscava a voz.

Fiquei ao lado dela
até a sentir aninhar-se
nas formas do chão.
Falei-lhe de ti, desse tempo
inconstante
- o pior da morte é a morte não ter voz
e teimar em ficar calada por muito tempo!

A mãe morreu natural.
Já nada me prende aqui.
A herança é pobre demais,
fica com ela que eu parto agora
à procura de melhor sorte.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Momento feliz

Dei-te rosas que colhi
no coração do meu sossego
quando feliz me vi por dentro
e deixei cair das flores
o que me vai no pensamento.

Dei-te núvens sem grilhetas
que trazia no olhar
num dia de muitas quimeras,
pelos passos do momento.

Depois tirei da boca um desejo
e da face deixei fugir
um deslumbramento
com feições de alegria
e o cheiro de uma carícia
que só quem ama vê.

Dei-te a emoção e o mimo
de um instante feliz
de um olhar que não sabe mentir
o amor vassalo e doce,
trespassado pela paixão,
verve inquilino do meu corpo,
lume vivo no tempo.

Dedicatória íntima

Porque dei ao meu dia
o teu perfil,
e cheiras a sorrisos
nos meus olhos áridos...
Porque és um mar súbito
no ventre de um desejo, submisso
em que o teu corpo
é um porto marinho
onde calo as águas loucas
de uma solidão altiva...
Porque és fêmea
e dissolves em amor
os momentos mais prementes,
ou porque a tua alma
tem odor a ternura,
dou-te o silêncio carnal
das minhas noites...
... e o meu vazio
também é teu,
o meu sonho é a tua viagem
onde te pertenço.
Porque os lábios
se unem em abraços
num gesto meigo e quente,
húmido até, suspenso na vertical...
Porque és
um segredo meu,
que os dedos acolhem sublimes,
na intimidade
duma brisa que chora
quando as horas passam
em contornos dalguma mágoa existencial...
Porque te confesso
a minha verdade
ou porque o sangue arde
no arfar de cada carícia
e as palavras éteras
ricochetam no peito,
em forma de uma poesia...
Porque adormeces
nas minhas mãos,
e a tua voz
é a distância dum sussurro,
solto em uníssono
no bordo de um sono
que já é apenas nosso...
Porque és a vida
que ejaculo da mente,
a lembrança contínua que fumo,
na mesma ânsia
em que te chamo...
... na mesma névoa óssea
em que o teu nome
é o grito melífluo
dum enorme nodal, suicidado
na textura singela duma dor,
um rumor que cresce
nos acasos que albergo longe de ti...
Porque és a ravina
do meu precípicio,
a chuva colhida
num charco de mágoa triste,
ou a erupção dum vento
que morre em cada despedida...
Porque és o que resta
do meu naufrágio animal...
Porque te amo...

terça-feira, 7 de julho de 2009

Como escrever-te

Como escrever o teu nome
na água dos meus poemas
sem levar à boca
algum ramo do teu sabor.
Como escrever de ti
no pó dos corações
se pelos teus olhos
andam os meus enamorados.

A noite,
ainda menina no meu colo
é um fio de versos
que as horas levam e trazem
sem que o breu me detenha,
nem o silêncio incomode
os momentos sós em que te penso
sentado num chão de muitas emoções.
Não há rio que quebre o mar
nem ondas que neguem às praias
as suas marés de pedra e ecos.

E na poeira dos dias que me sobram
tenho pressa em viver os mimos teus
e sentir sobre o corpo deitado
a mulher que em ti pesa,
como um vendaval de amores
que se soltam dóceis
num sangue a nós doado manso
e vontades de não mais acordar.