quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Não me ergo, levanto-me

Eu não me ergo, levanto-me
quem se ergue sempre caiu
e eu puxo por mim,
agarrado ao desejo férreo
de me ver elevado
por cima das vicissitudes
e à margem da agonia,
caçando alívios e suspiros
de uma estirpe sem raça.

Eu não me ergo, renasço
resgatado de um passado verve
não me estranho, nem entranho
bebo a sede de viver, indígena
não quero desperdiço nem fúteis cores,
amorfas audácias, mordaças
quando me despertar para o amanhã
que me adorna o olhar…
… no capim do dia seguinte.

Eu não me ergo, levanto-me
quem se ergue não caiu, ruiu
e eu levanto-me, persigo-me e expio-me
até encontrar o sossego que me adensa e foge…

domingo, 9 de agosto de 2009

Guardião

Repousa o teu corpo
no vício dos passos,
sossega o sangue nervoso
dessa existência fértil de medos, breus
e acalenta na ideia voraz do rosto
a fugaz primavera de um sonho lindo
que vento algum desalinha
venha a tormenta que venha
dos quatro céus endiabrados...
Dorme.
Penteia o sono com os dedos
ainda húmidos de amores degolados,
livres de enganos e enganados,
num atlântico de esguios beijos suados.
Dorme! Sem alvoroço,
no topo do burgo...
Lá fora o mundo regateia sombras distantes
num desacato de dores lúbricas, anónimas
enquanto no tecto da vida
as verdades são sombras sumptuosas,
nubladas de inquietações,
sinistras nocturnas,
no zelo das ocasiões... tropelias.
Dorme. Nada temas do doravante,
pousa o pensamento exausto de fugir,
não sabe de quê, despojado...
não sabe para onde, sonâmbulo...
como tudo na vida.
Dorme.
Hoje eu sou pastor e cão de caça
pelas eiras muradas da intranquilidade
onde só os lobos dormem
seja qual for a hora e o desejo!

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Búzio confidente

Seguro nas axilas
um búzio já velho,
amargurado,
numa maré pouco feliz.
Junto ao seu aconchego
outro búzio mais,
e num lamento
segredo-lhes murmúrios
coisas de nada.

Pouso-os no bordo do colo
absurda voz
e sonho.
Falamos de tudo,
de mim e de ti
... até de nós!