sábado, 31 de outubro de 2009

Como escrever-te

Como escrever o teu nome
na água dos meus poemas
sem levar à boca
algum ramo do teu sabor.
Como escrever de ti
no pó dos corações
se pelos teus olhos
andam os meus enamorados.

A noite,
ainda menina no meu colo
é um fio de versos
que as horas levam e trazem
sem que o breu me detenha,
nem o silêncio incomode
os momentos sós em que te penso
sentado num chão de muitas emoções.
Não há rio que quebre o mar
nem ondas que neguem às praias
as suas marés de pedra e ecos.

E na poeira dos dias que me sobram
tenho pressa em viver os mimos teus
e sentir sobre o corpo deitado
a mulher que em ti pesa,
como um vendaval de amores
que se soltam dóceis
num sangue a nós doado manso
e vontades de não mais acordar.

Nas tuas pernas

Nas tuas pernas
as minhas culpas morrem
nas tuas pernas minhas nunca.

Na tua boca o meu sonho
no meu sonho as tuas pernas,
nas tuas pernas o meu fôlego
e a noite passa num rasgo teu
em mim, desejo vivaz e traquino
nas tuas pernas,
a minha doidice!...

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Confissão

Os meus olhos
confessam nos teus
o atiçado lume dos seus erros
num tempo gordo de desenganos
e tramas de agoiro
que enchem de dramas
as distâncias da vida.

Ao voltarem ao teu corpo,
os meus olhos quase coram desilusão
na vergonha que sentem apunhalá-los
por não saberem fazer os teus felizes...

... a língua empurra-os na voz
que ninguém mais ouve
e vontades de nunca deixar partir os teus
nessas teias de encruzilhadas longas
em que os meus olhos mirram
o medo de muito amar os teus.

Partida

E foi então que os meus olhos viram
partir os pássaros em manada
céu inteiro, searas de amor
- a terra a prumo
nos lábios possuídos de fogo,
um mar arrojado, alucinante
como rumores a morder a memória
onde os teus olhos cochilam
as fragas da noite.

Não tens saudades roxas
dos pássaros apaixonados
no Outono das formas
- moribundas solidões
na apoteose dos dias,
dos gritos
ao encontro do luar?

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Sempre teu

Eu hei-de ser sempre teu
tu hás-de ser sempre minha
mesmo que não mais me queiras amar
mesmo que me queiras esquecer
- é que a flor pertence à terra
mesmo depois de morrer
e eu sei que jardim sou em ti
mesmo que não queiras saber!

Mil coisas

Em mil tardes
mil noites sem pagem
mil auroras de balidos,
mil pastores em mil montes
uivam com os rebanhos
as mil luas de lobos sem fome
que o capim mastiga
no alarme das mil dores do tempo.

Mil esfomeados chacais
em mil ramos pousados
esfrangalham os mil cães da vida
no milhar das encostas
fixas ao tacto do medo
... nas estepes andam mil mortes
no endereço de mil nomes.

E em mil planícies
mil luas cobiçadas
por mil olhares do sangue,
sob mil pragas do gesto
e bocas sem confissão
de mil gente sem sorte,
por entre mil rios quebradiços,
mil solidões voando em tapetes de sono
e mil sonhos por socorrer
ou milhões de mil coisas...

Pescador

A oeste da vida fácil
um pescador de inquietudes
deita as redes ao luar
com os olhos cantarolando destinos
e o pensamento cansado nos braços.
Só e alvoraçado pela calmaria
vai assobiando as velhas poesias
que o medo lhe ensinou desde menino
enquanto nas águas o tempo voa
como marés aladas na sua voz,
acometidas de ânsias que desconsolam
as horas mais coloridas do coração,
desnudam os sentimentos mais vivos
e todos os momentos lindos do sonhador.

A léguas, aquém de todos os outros
um pescador de solidões cruas
recolhe as redes do dia na noite
com as forças que à alma restam
pelo epílogo do silêncio sem coito
onde os desejo jazem sovados pelo acaso
e os homens vagabundam as sombras
já bêbadas de rum e memórias em fogo
latejados de tristeza amarga!

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Espera em vão

De joelhos em frente ao oceano
um jovem lança fermento às águas
para que o seu sonho cresça
antes do tempo,
num movimento desconfiado.

Com as mãos sujas de medo
cava um lugar para esperar,
com o coração derramado
naquele mar à sua frente,
e o jovem fez-se velho, serenamente
sem ver a maré parir
o fermento da sua esperança.
Embrulhado na morte,
as águas levam-no vida fora.

Já notaste

Não sei se já notaste
no alvoroço do meu olhar
quando passas e em mim roças
o corpo e o destino,
e eu fico perdido a cismar
sempre que passas
à minha beira, juntinho.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Cio do acasalamento

Andam ventos à procura
de ventanias,
andam doidos, pulam e furam
em formas sombrias
- praguejam eriçados
na altivez das horas fúteis,
uns pouco amados,
outros sopros inúteis...

Andam luas atrofiadas
pelo cheiro fêmeo do vazio,
e de uma mera noite
pairam noitadas
para a ganância do cio
... lavram os chãos
com as águas dos poetas
levam rios nas mãos
rios que só o mar veste.

Andam bocejos ao deus-dará
em busca de uma rima acertada,
uma rima que só o tempo fará
cada vez mais amada!

domingo, 4 de outubro de 2009

Desejo em clave de sol

Vem! Multicolor
toca-me nua, fêmea
rasga-me a vulgaridade
com tridentes de sedução, marinhos
e entre nesgas de indecência
abraça-me o corpo de auroras híbridas
com os ventos da paixão desvairada
que o meu coração namora em surdina
o outro lado do momento que tudo chora,
lavado pelo amanhecer da vida
que mimo e quero
e não me pertence.